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OS "SEM-ABRIGOS", ARQUIVADOS EM TENDAS!

Em Lisboa, bem como noutras cidades deste país, algumas excelências resolveram, nas noites de Natal presentear os seus pobres, aqueles seus concidadãos "sem abrigo", protegendo-os do frio debaixo, de uma tenda.

Esta expressão "sem abrigo" é relativamente recente, embora a existência deles já seja antiga. Só que, antes do 25 de Abril, o Governo não deixava que falássemos disso. Nesse tempo, a televisão passava imagens de pessoas sem abrigo, mas especialmente de outros países. Assim, honra seja feita à Televisão e à Comunicação Social, que exibiu as imagens de tantos e tantos pobres que dormiam ao relento nas ruas de Lisboa, e por outros cantos deste parco país de novos-ricos! Não era mais possível ignorar. Podemos não acreditar nas palavras, mas é impossível não acreditar nas imagens…

 Nos primeiros dias, houve poucas presenças, é certo. E porquê? Porque os pobres, quando a esmola é oferecida de bandeja, com muitos aparatos publicitários a ornamentarem a "porca miséria", os pobres, dizia eu, desconfiam. Mas os Repórteres e Jornalistas lá os iam descobrindo ao relento, escondidos atrás de colunas, ou no recanto de algum portal, os mais bem instalados. Alguns estavam ainda de pé e contavam a sua vida. Vidas difíceis. Tanto que as palavras recuam envergonhadas. A droga, o álcool, e quase sempre o desemprego. A idade ia aumentando, perdiam as forças, não encontravam quem lhes desse trabalho. Deixavam de pagar as rendas, vinha o despejo, seguido do abandono…a rua! Os trapos metidos num saco plástico, os cartões prensados que lhes serviam de cobertor escondidos em algum recanto. Eram estas as imagens, onde a angústia se apoderava em cada um de nós, tornando-nos cúmplice destas desgraças….

A certa altura, o projector da televisão incide sobre um velho mal coberto pelos seus rotos cobertores e páginas de jornais. Pisca à luz os olhos pesados, defendidos pela mão em forma de pala. O Repórter faz perguntas, ele não responde, com as mãos em defesa da agressividade da luz.

-"Somos da televisão" – diz o Repórter – "diga-nos, o que é que mais deseja neste momento? O que é que mais quer"?

 -"Quero que me deixem dormir"! Respondeu o pobre homem, tapando o rosto com um jornal aberto.

Não! A resposta não é de nenhum Diógenes filósofo. Mas a de alguém que, no fundo do poço, encontra reservas de dignidade para defender a sua condição de pessoa, debaixo de farrapos, jornais e cartões prensados.

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