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Pão-por-Deus: o clamor dos necessitados

 

O pão-por-Deus, nos tempos da minha infância, era um dia festivo. Não pelas dádivas que nos colocavam dentro da saquinha de retalhos, feita com roupa da América, mas pela folia que se gerava nas ruas, quando uma moedinha  se recebía dos mais abastados.

Poucos tinham dinheiro, muito menos para dar. Castanhas ou laranjas aqui, biscoitos ou rebuçadinhos ali, e lá íamos, rua fora, batendo à porta das pessoas conhecidas. Os outros, cobriam a pobreza com o xaile, e escondiam a miséria das portas para dentro.

Mas se, para algumas crianças o « peditório » era, sobretudo, uma brincadeira, para outras pessoas, nomeadamente mulheres « envergonhadas », o pão-por-Deus era uma maneira de amealhar géneros alimentícios: milho, batatas, cebolas e fruta, de que muitas famílias careciam para calar a fome.

Com o passar dos anos e a melhoria das condições de vida, a tradição foi, naturalmente, rareando e perdendo o sentido original de partilha de bens pelos mais necessitados.

O crescimento discriminatório da economia e da riqueza, cada vez mais escandaloso, voltou, no entanto, a reclamar novas formas de apoio à pobreza e, presentemente, não chega já o dia do pão-por-Deus para socorrer os  necessitados. Há organismos vários de resposta à miséria quotidiana, sem mãos a medir para as crescentes solicitações que lhes caem à porta. Todas essas Organizações não governamentais (ONG) e instituições particulares de solidariedade social (IPSS), agindo em rede, desenvolvem, com a ajuda de muitos voluntários, ações nas áreas da saúde e da infância, da juventude, da valorização familiar e profissional e da promoção social.

Podemos dizer que a sociedade civil despertou, na última década, para o dever da intervenção solidária que liberta os carenciados e lhes proporciona o lugar a que têm direito, afirmando a sua cidadania.

Neste Ano Europeu do Voluntariado, instituído para apelar e promover a participação de um quarto da população do velho continente em ações viradas para a sociedade, importa sobretudo responder às necessidades básicas de cerca de um quinto da população portuguesa que, segundo dados divulgados em 2004 pela comissão europeia, continua a viver no limiar da pobreza, agora ainda mais agravada pelo aumento exponencial do desemprego e do abaixamento dos salários.

Não deixa de ser curioso que a mesma União Europeia que, passados seis anos, nos vem impôr medidas gravosas, tivesse  então proposto ao Governo português "a efectiva inserção social dos grupos de risco, através da adopção de medidas ligadas ao rendimento mínimo, a melhoraria dos níveis de qualificação dos desempregados, sobretudo dos menos qualificados e dos jovens e, face ao envelhecimento da população, o abaixamento dos custos da saúde, a reforma das pensões, e o financiamento "regressivo" da saúde, através da redução dos custos financeiros para os grupos mais desfavorecidos. »

Impunha-se, pois, que as instâncias europeias, orientadas por princípios de desenvolvimento e solidariedade para com os povos mais desprotegidos, revelassem outra sensibilidade, de molde a atrair todos para a « casa comum europeia ». Todavia, não é isso que, nos últimos meses, os cidadãos têm sentido na carne. Daí a sua ilusão perante o projeto comum europeu.

Neste dia do pão-por-Deus, assiste-se, de novo, e passados tantos anos, a uma ânsia crescente de muitos jovens emigrarem, pois não vislumbram futuro feliz na terra onde nasceram.

Ninguém deve ficar indiferente ao grito dos necessitados: nem a igreja, ao apresentar como exemplo a vida de « todos os santos », nem os governantes, a quem compete promover o bem comum, nem as universidades, agentes de mudança e fonte do saber, nem as instituições financeiras e económicas, nem as famílias, núcleos principais da sociedade.

Dar « pão-por-Deus », hoje, implica promover projetos criativos e inovadores, geradores de esperança e alegria, que contribuam para o desenvolvimento solidário e para a paz.


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