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Carta a um idoso 

 

Amigo Ti Manel:

Temos andado arredados um do outro, por essas terras de Deus, que não têm proporcionado o convívio que cultivei quando era mais novo.

Quando regressou do Canadá, onde lidou com frios terríveis que paralisavam o seu sangue novo, vinha feliz por regressar com a reforma que, atempadamente, a segurança social lhe mandava. Era ainda um homem bem parecido e todos o olhavam, com simpatia, pois as suas poupanças ultrapassavam as dos agricultores mais abastados que lhe emprestaram  dinheiro para a partida. Os rapazes da sua idade foram também envelhecendo, mas as reformas que recebem nada se assemelham à que o governo canadiano lhe envia.

Aqui em Portugal a vida melhorou muito, é verdade! Melhoraram os cuidados de saúde. Quem não tinha direito a reforma passou a ter um pequeno subsídio, que não dá para pagar luz, gás e outros gastos. Melhorou a qualidade de vida: habitação, água,  luz, caminhos, etc. Os estabelecimentos comerciais modernizaram-se e parece que os bens alimentares e outros são a preços que  não se nota a diferença dos mall.

Confessou-me um dia que “o Canadá agora era aqui”.
De um momento para o outro, Ti Manel, há menos de um ano, deu-se a reviravolta. O Governo disse que Portugal estava na bancarrota e que tínhamos de pedir dinheiro emprestado ao estrangeiro.

A partir de então tem sido o descalabro: A Troika, formada pela Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional, impôs as suas regras como bem quis e entendeu, para pagarmos quanto antes as fortunas emprestadas. E os políticos disseram a tudo que sim senhor, e que fariam tudo o que fosse necessário, doesse a quem doesse, para respeitar o acordo.

Agora é o que se vê: aumentaram os impostos, a alimentação subiu, a saúde deixou de ser gratuita, o desemprego disparou, quem tinha dívidas à banca deixou de pagá-las, cortaram os subsídios de férias e de natal acima do salário mínimo, o mais baixo de toda a Europa, e o mais que se verá pois a procissão ainda vai no adro e estes senhores são tão gulosos e gananciosos que não se fartam enquanto não derem cabo de nós. Os idosos são os mais penalizados devido às magras reformas e pensões e à sua precária saúde.

O mais caricato é que este ano de 2012 é o Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações. A comissão europeia diz tratar-se de “uma oportunidade para todos reflectirem sobre o facto de os europeus viverem agora mais tempo e com mais saúde do que nunca e de aproveitarem as oportunidades que se oferecem.”

Que oportunidades - pergunto eu - se a própria União Europeia que se arvorava em promotora da solidariedade e da coesão social e económica entre os estados membros, é a primeira a impor juros e condições insuportáveis aos países que estão com a corda ao pescoço?

Envelhecimento activo, trabalhando onde, em quê e a que preço, se o desemprego atinge cerca de 10% da população portuguesa e são sobretudo os jovens os mais penalizados e os idosos os primeiros a serem despedidos, alegando-se excesso de mão-de-obra e dificuldades financeiras das empresas? Como podem eles continuar a “desempenhar um papel ativo na sociedade, partilhar a sua experiência, viverem uma vida mais saudável e gratificante”, como proclamam os eurocratas, se são eles os primeiros a perder o trabalho, com  reduzidas indemnizações, alegando-se não terem capacidade de produção e de adaptação?

Um inquérito realizado em Portugal, pela União Europeia, refere que dos 3.500 inquiridos, 60% afirma que o estado não tem preocupação com os  idosos. Por outro lado, o Euro-barómetro revela que 58% dos europeus afirma que a discriminação baseada na idade, se generalizou na Europa. E vêm as instâncias da união afirmar que há legislação para proteger a discriminação contra os idosos? Como, se é a União Europeia a primeira a impor os despedimentos na função pública, a redução dos salários, o aumento dos impostos?

Caro Ti Manel: os senhores que falam nas rádios e televisões dizem que há cerca de 2 milhões de pobres no nosso país. Pelo que estamos a assistir, todos os dias, a pobreza continua a aumentar e já atinge a classe média, suporte importante da economia do consumo, dos serviços, e de todos os sectores de atividade. Ao contrário, cresce cada vez mais a riqueza de uns senhores que se dão ao luxo de deslocalizar capitais e empresas para países em que se paga poucos ou nenhuns impostos. E tudo isto acontece perante a indiferença e passividade dos nossos governantes.

Oxalá me engane, ou ainda vamos assistir ao protesto dos injustiçados a quem se exige o pagamento compulsivo da elevada carga fiscal, deixando-os na miséria e à mercê da caridade pública.
Onde pára a justiça tão apregoada pelos políticos, pelos defensores dos direitos humanos e consagrada na constituição?

“Pobre é pobre”, comentavas indiferente, a manifestação de um candidato presidencial. “Quando chegar ao poleiro, já não se aproxima da gente!” Ao que respondi:“Não diga isso, homem, quem é que quer ir para aquele lugar? Só dá chatices!...”  Agora reconheço que o Ti Manel tinha razão.

 A sabedoria vem com a experiência da vida e as sociedades que não aproveitam o envelhecimento ativo perdem muito por não se promover a solidariedade entre gerações.

Esta já vai longa. Até qualquer dia, Ti Manel, e Deus lhe dê muitos anos.

 

 

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